Quando a Responsividade Resulta em Responsabilização?
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Como sabemos quando as estratégias para promover a prestação de contas estão avançando? Se, e quando, os “poderes constituídos” respondem à voz dos cidadãos, como podemos saber em quais casos essas respostas envolvem responsabilização? Afinal, as autoridades podem só fazer promessas ou concessões relevantes―porém pontuais―que não implicam uma governança mais responsável. Além disso, quem decide o que “conta” como resposta significativa de prestação de contas? Para os defensores de causas coletivas e de reformas nas políticas públicas que se dedicam a persuadir os governos a ouvirem os cidadãos, essas ambiguidades do mundo real são desafios do dia a dia.
Este blog esclarece alguns dos termos usados para descrever como respondem os detentores de poder frente a iniciativas de responsabilização. O objetivo é informar empenhos práticos para lhes dar seguimento e verificar se nossas iniciativas estão funcionando.
A proposição principal aqui é que as respostas dos governos à voz e às ações da sociedade civil podem ser classificadas em três categorias que em parte se sobrepõem: resposta, responsividade e responsividade responsável. As autoridades podem prometer mudanças—isso é dar uma resposta—mas eles podem não cumprir essas promessas. Por outro lado, quando os poderosos cumprem seus compromissos, isso é responsividade. Já as autoridades que vão mais longe e de fato explicam suas ações (ou inações), estão mostrando responsividade responsável.
Destrinchando respostas de governos de governança responsiva
Digamos que estamos analisando uma campanha cidadã por melhor acesso a medicamentos, água, ou fertilizantes. É possível que o governo responda às vozes e ações dos cidadãos atendendo a algumas dessas demandas concretas. Isso pode ser uma resposta temporária, discricionária, sem garantia de coerência nem responsabilização no futuro.
Esse tipo de resposta embute o risco de que problemas análogos se repitam no futuro, porque não implica mudanças nas políticas ou nas práticas para impedir que tais problemas tornem a ocorrer. Isso pode parecer uma vitória política no curto prazo, mas também pode haver facilmente um retrocesso posterior, a critério do governante.
Respostas discricionárias também deixam uma porta aberta para que a autoridade dê tratamento preferencial para sua clientela política leal ou outros grupos favorecidos. Por exemplo, direcionando os fertilizantes subsidiados a grandes produtores comerciais (a troco de propinas a essa autoridade). E mesmo que um programa governamental de fertilizantes atinja de fato agricultores pobres, as autoridades podem exigir votos ou subornos em troca. Já órgãos públicos que seguem as normas e ouvem as entidades independentes de fiscalização entregariam fertilizantes aos pequenos agricultores necessitados, independentemente de sua filiação política ou etnia. Melhor ainda, órgãos públicos que obedecem as normas também entregariam fertilizantes de verdade (sem aditivos) no momento certo, antes da época de plantio e antes das chuvas (saiba mais sobre esse cenário em campanha de um movimento camponês no México.
A questão aqui é que num cenário de resposta discricionária, a pressão externa pode levar burocratas corruptos ou partidários a entregarem alguns dos medicamentos ou fertilizantes que eles devem entregar—mas eles continuam no poder, prontos para recuarem assim que a pressão externa e a fiscalização dos cidadãos arrefecerem. Por outro lado, algumas vezes o governo descumpre seus compromissos por diferentes motivos–por exemplo quando autoridades bem-intencionadas são limitadas por instituições fracas, recursos insuficientes sob seu controle, ou por falta de influência política. É um desafio para os observadores externos descobrir por que as respostas de tais autoridades ficam aquém, quando o governo é uma caixa preta sem transparência alguma.
Muitas vezes, não é suficiente haver novas leis ou políticas melhores para que sejam implementadas mudanças sistêmicas. Transformações sustentáveis nas práticas do governo podem necessitar, também, de reformas nos bastidores do setor público. Por exemplo, é necessário vontade política, mas ela não é suficiente para garantir que os governos consigam de fato entregar quantidades suficientes de fertilizante a todos os agricultores que deles precisam bem antes da estação do plantio. Os órgãos governamentais também precisam tanto de orçamento como de capacidade institucional para cumprir com o que se propõem. Os defensores de ações de prestação de contas podem argumentar isso, especialmente se as reivindicações de responsabilização se basearem em provas de que o órgão cumpriu ou não o que prometeu (veja, por exemplo, a terceira seção deste artigo).
Em suma:
Respostas do governo podem ser ou positivas ou negativas. Tanto os defensores quanto os analistas de transparência, da participação e da responsabilização tendem a buscar respostas governamentais positivas às campanhas de ação cidadã, mas também podemos reconhecer que entre as respostas oficiais às manifestações dos cidadãos algumas não são tão positivas assim. Alguns exemplos:
- Concessões pontuais que podem ser pequenas ou intangíveis
- Desvio da demanda usando grandes promessas que não são cumpridas
- Concessões significativas que podem ser tangíveis, mas exigem subordinação política em contrapartida (por exemplo clientelismo)
- Uso de concessões seletivas para dividir as organizações sociais
- Represálias, subornos, ou ameaças.
As respostas do governo podem ser, ao mesmo tempo, positivas e negativas. Diferentes autoridades podem responder ao mesmo tempo de formas distintas e até contraditórias à mesma campanha de responsabilização. Por exemplo, na mesa de negociação, autoridades podem não ter influência sobre as pessoas que decidem os programas e os processos de alocação orçamentária que a campanha pretende mudar.
Responsividade envolve cumprimento por parte de autoridades. Se servidores públicos respondem às manifestações de cidadãos fazendo promessas que eles depois não cumprem—ou cumprem de forma muito limitada ou enviesada—tais respostas não podem ser consideradas responsividade. No entanto, mesmo promessas não cumpridas ainda podem acabar sendo relevantes para campanhas futuras se elas pelo menos criarem um ponto de referência, ou uma base para reivindicações posteriores de responsabilização.
As respostas do Governo podem mudar ao longo do tempo e podem seguir diferentes caminhos. A necessidade de lidar com as mudanças ao longo do tempo torna difícil distinguir entre resposta e responsividade. Por exemplo: os mesmos primeiros passos (promessas e ações do governo) podem ser, num dado momento, sinais de um início de caminho rumo à mudança — ou levar a um beco sem saída. Num curto prazo pode ser um desafio diferenciar entre essas duas possibilidades. Alguns indicadores importantes de responsividade, entre outros, são:
- autoridades que mantêm suas promessas
- compromissos que são mantidos ao longo do tempo
- mudanças políticas que institucionalizem a participação e a fiscalização pública tanto por parte do governo como da sociedade civil
- mudanças em orçamentos e sistemas internos de gestão que possibilitam a entrega dos recursos ou direitos prometidos.
Gestos das autoridades que fomentam confiança, tais como práticas colaborativas significativas e o compartilhamento de informações sobre políticas centradas no usuário são, também, passos muito relevantes — talvez necessários embora não suficientes para constituir um progresso tangível.
A diferença entre resposta do governo e governança responsiva pode depender da influência dos funcionalismo reformista dentro do governo.
A princípio, esse foco no cumprimento das promessas das autoridades pode parecer depender demais de indivíduos―que não são permanentes―em vez de focar em algo mais consistente: uma mudança no sistema. Mas, reformadores dispostos a pressionar a partir do interior das estruturas são necessários para que um governo cumpra promessas de mudança.
Visando mapear possíveis pontos de entrada para a mudança, qual seria a melhor forma dos defensores monitorarem as oscilações da influência das pessoas que dentro das estruturas promovem a responsividade? Estas pessoas são mais importantes quando implementam medidas concretas que reduzem os custos ou os riscos das ações cidadãs, empoderando grupos de externos mobilizados por mudanças. As ‘estratégias sanduíche’ podem desencadear círculos virtuosos de empoderamento recíproco entre defensores de direitos dentro e fora dos órgãos do estado. Veja aqui estudos de caso e análises comparativas dessas raras mas importantes oportunidades.
Voltando ao panorama geral: apenas algumas respostas governamentais merecem ser chamadas de responsividas: quando as respostas são mantida e as promessas de mudança cumpridas, pelo menos em algum grau.
São características essenciais da responsividade dos formuladores de políticas:
- Cultivo da confiança: padrões consistentes de cumprimento dos compromissos.
- Escuta e compartilhamento de poder: mudanças inclusivas nos processos envolvendo políticas e reconhecimento dos atores sociais e suas propostas para tomada de decisão no setor público.
- Agir pensando no futuro: investir recursos no aumento futuro da capacidade de entrega do governo.
- Viabilização da ação coletiva: medidas concretas das autoridades para reduzir os riscos e custos.
Governança responsiva e responsável: desacoplando a sobreposição
O que ‘conta’ como prestação de contas? Essa noção é ambígua, maleável e controversa. As interpretações desse conceito variam muito nas diferentes culturas e instituições. Para algumas pessoas, a responsabilização envolve relatar irregularidades a órgãos superiores; já os defensores de direitos focam em responsabilizar as autoridades. A ideia de freios e contrapesos sugere uma responsabilização mútua, horizontal, entre as instituições. Algumas iniciativas de responsabilização têm como alvo indivíduos, enquanto outras focam em instituições. Isto dito, um ponto em comum é o entendimento de que a responsabilização envolve os tomadores de decisão terem que explicar suas ações: explicabilidade (answerability).
A noção de responsividade soa a responsabilização. É intuitivo: essas duas noções com certeza se sobrepõem. A diferença principal está no fato de que a responsividade, mais que um dever institucional, pode ser algo que fica a critério dos indivíduos em posições de poder. Além disso, mudanças nas políticas públicas podem ser responsivas sem necessariamente envolver explicabilidade pública. A ideia de responsividade responsável sugere que os detentores de poder respondem aos cidadãos com explicações e possivelmente enfrentando consequências. É por isso que a figura 1 ilustra a responsividade responsável como subconjunto da responsividade.
Figura 1. Esclarendo respostas do governo a manifestações dos cidadãos: Da mais fracas às mais fortes
Por exemplo, o governo pode efetivamente fornecer fertilizantes subsidiados a pequenos fazendeiros de forma consistente, seguindo as normas, priorizando os mais pobres — sem que isso necessariamente envolva qualquer processo no qual as autoridades expliquem ou justifiquem suas ações. A falta de informação ou de supervisão oficial pode limitar a possibilidade de a sociedade civil saber se os formuladores das políticas públicas estão seguindo as normas. Nesse cenário, os formuladores de políticas podem ser responsivos, mas ainda decidem se cumprem as normas ou não, ao critério deles ― o que seria evidência de responsividade sem responsabilização.
Outro exemplo de responsividade significativa que pode não resultar em responsabilização: considere uma pequena organização de agricultores que proponha uma mudança política para favorecer a inclusão social ou a sustentabilidade ambiental — por exemplo, reformar um programa de subsídio a fertilizantes para pequenos produtores incluindo orgânicos, e não, como é usualmente, um apoio limitado exclusivamente aos agroquímicos. As autoridades respondem fornecendo à organização de agricultores um projeto local de produção própria de fertilizantes orgânicos. Embora tal resposta certamente seja bem-vinda, um projeto de pequena escala é claramente insuficiente para uma mudança da política nacional.
Resumindo: as respostas do governo às manifestações dos cidadãos podem ser substantivas e significativas, sem necessariamente resultar em responsividade responsável. A ideia de responsividade responsável tem tudo a ver com mudança institucional, não com respostas apenas positivas de autoridades específicas. A Figura 1 ilustra as sobreposições e diferenças entre os três tipos de respostas do governo à voz do cidadão.
Dando seguimento ao avanço: a diferença entre resposta, responsividade e responsividade responsável
Até aqui este blog se concentrou nas diferentes formas de interpretar as respostas do governo à voz do cidadão — uma etapa necessária para explicar se as iniciativas de defesa das causas públicas estão de fato progredindo em direção à governança responsiva e responsável, e como isso ocorre. Acompanhar a evolução da responsividade nos dá a base necessária para avaliar quais elementos podem contribuir para uma responsividade responsável. Embora as iniciativas de mudança precisem ter seus próprios conjuntos de critérios sob medida para cada caso, um ponto de partida poderia ser monitorar os graus de responsividade, observando se e como as autoridades:
- cumprem concretamente seus compromissos
- implementam reformas transparentes que permitem que pessoas de fora acompanhem o dinheiro e vejam como os formuladores de políticas tomam decisões e aprendem com os esforços da supervisão oficial;
- mostram evidências de investirem seu capital político no cumprimento dos seus compromissos;
- instituem mudanças políticas que podem tornar serviços públicos mais equitativos e eficazes no futuro – tais como tornar os processos políticos mais transparentes e inclusivos e fortalecer os processos de abertura do governo necessários para a identificação do progresso em programas de larga escala.
Tais combinações de reformas tornam possíveis uma redistribuição do poder na medida em que o todo poderia ser maior que a soma das partes. Nesse sentido, é importante o conceito de ‘ecossistema de responsabilização ’ porque permite perceber como diferentes iniciativas de mudança se complementam e podem se reforçar mutuamente.
A pergunta “como saber se uma campanha está realmente se tornando influente?” revela a relevância de descobrir o que está acontecendo dentro da caixa-preta do Estado. Se o objetivo de uma campanha é garantir o fornecimento de fertilizantes ou medicamentos, é preciso ir além de monitorar se houve a entrega e passar à compreensão do sistema de fornecimento. Examinar as causas subjacentes do problema é fundamental para identificar os pontos de entrada para futuros esforços de advocacy. Para entender o que acontece na ponta, é preciso entender o restante do sistema. Para orientar estratégias de ações externas, é preciso saber exatamente o que os funcionários internos estão fazendo.
Este blog é uma versão resumida do ensaio de Jonathan Fox em Fox, Halloran, Fölscher e McGee (2024) e se baseia em Fox (2022).
Traduzido do inglês por Miracleread e verificado por Adrian Gurza Lavalle.